Divagações ao Réveillon
A Natureza, tão boa e tão má. Pelo menos ainda há bons Juízes neste mundo, não é verdade, Gaspari?
O mundo vai girando, mais ou menos que dantes, segundo alguns especialistas. Emudecido, continuo a lamentar o caos, acalantado nos tormentos pela voz de Diana Krall em Fly me To The Moon nesta tarde amena, cujo crepúsculo me arrebata quase toda atenção. O matiz cansado do epílogo da carruagem de Apolo despede-se emoldurado nas paredes de concreto a rodear-me esta paisagem insensata, no mesmo compasso do pulso cansado de guerra. Mesmo assim, rítmico ou não, que ainda pulse em minhas veias.
In Other Words, I love you...
O ano de Dois Mil e Cinco, do Século Vinte e Um, começa reticente, porém com uma boa nova que me aquece mais o coração. Vida nova que chega. Perdoe-me o Mundo que te apresento, mas o amor é tanto que nos solapa o restante do cartesianismo a nortear o raciocínio. E se não tê-lo, como sabê-lo, não é mesmo Poetinha Vina?
Ave! Eu te abraço com os olhos no passado:
"Réquiem de 2002 - Espasmos. É essa a conclusão a que chego em meio às divagações norturnas do último dia do ano. As reminiscências do passado me provam de forma insofismável que somos pequenos átimos de luz na história. Percebo que um punhado de anos são somente dias atrás. Fatos acontecidos há algumas décadas parecem-me semanas apenas. Tudo tão vívido e próximo. Imerso nessas reminiscências nostálgicas. Vidas que transcorrem em alguns meses. Frágil tempo, o que dizer-lhe colosso? E nessa ode ao passado morto, tão vivo, eu pensava nesse diletantismo notívago, o que dizer sobre o tempo. Eis que recordo da ímpar poesia de Soares Feitosa - mentor do instigante Jornal de Poesia, amigo e poeta - Cronômetro Para Piscinas, onde percebo que a arte liberta! Talvez mais do que o desabrochar dos grilhões que nos solapam os devaneios. A arte materializa o encontro que não tive, os caminhos que não percorri, este beijo que eu não te dei. Nesse ambiente cujo ilogismo é concreto, o tempo se arrasta sofregamente. Cronômetro Para Nossas Vidas, o tempo nem sempre rege a razão no que a arte não lhe permite. A arte não cria, apenas materializa ao agregar letras, a dor lancinante do poeta. E dor é também o prazer infinito, como diria Schoppenheauer. E percebo que quando o Poeta Feitosa estava a agrupar as letras que deram causa ao Cronômetro Para Piscinas, no alfarrábio de sua escrivaninha, trazia consigo um sorriso nos lábios, murmurando à cumplicidade alguns arremedos que lhe ditava o Coronel, sentado na cadeira de balanço ao seu lado. E quando lhe faltavam palavras era ajudado pelos seus cúmplices de poesia. E vejo que o Poeta fazia do imaginário esse mundo maravilhoso que só a arte liberta. Assim vivemos no Século Cem de Ésquilo. E agora enquanto digito estes últimos suspiros de palavra, o Coronel me chega e brada, açoitado com a paráfrase - eu ousaria chamar licença poética - desautorizada, um plágio esdrúxulo dum fato que nunca se deu, mas antes que puxe o gatilho da Lügger que sacara da bainha dos algozes da cultura, ele sorri com os lábios cerrados e me diz: "É doutor, só mesmo a arte, só ela..."
Tal qual o vinho, repousa no fundo da arte alguma verdade que buscamos.
Desejo a todos os amigos leitores um feliz 2003.
Além disso, pouca coisa. E la nave va..."
sexta-feira, dezembro 31
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