Marcas no Espelho
Observo atentamente as duas primeiras rugas que vejo nascer em meu rosto. São a prova cabal do inexorável cavalgar do tempo. Apesar de serem marcas resultantes também do hábito de sorrir sempre, traduzem também o ilogismo presente no descompasso temporal da razão entre a idade física e mental.
Relembro que dia desses, eu estava a procurar um sentido maior no existir, sem entretanto saber por onde começar. Hoje, alguns anos depois, me arrependo apenas do que não fiz ainda e também do que deixei de fazer e os portões do passado me roubaram uma segunda chance.
Lembro daquela música sorumbática: "(...)As folhas caem, mortas como eu...quando olho no espelho, estou ficando velho e acabado..." Definitivamente não é o meu caso, vale salientar. Ao contrário das marcas que erigem caminhos tortuosos e permeados pela dor translúcida nas vidas de muitos, as minhas são a materialização concreta do significado da expressão Carpe Diem.
Talvez as mesmas marcas que resolveram chamar os poetas alencarinos Jorge Maia e Nato Lopes, de "Estrias", numa tarde de devaneios enevoados.
Nunca dei muita importância à passagem terrana de nossos espíritos, porque a julgo uma experiência infinitamente inferior à importância dos mesmos. Não penso assim por nenhuma robustez teórica, mas tão somente deduções empíricas que cheguei após verificar em trinta e um anos de divagações metafísicas, que o hiato de certeza é a única convicção que me permito em meu ceticismo.
E penso no Poetinha Vinícius (ah, que nome, Vinícius de Moraes! Tanta saudade, tanta ansiedade...) quando vaticinava em suas músicas: "A vida não é mole não meu irmão...é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.". O mesmo Poetinha que discorreu sobre a partida e tristreza da saudade em "Samba de Orly", criada à benção da criatividade de Toquinho e Chico, que me fez lembrar agora dos amigos Chuck, Illa, e Natércia, dos primos Leonardo e Marina e de tantos outros que em algum momento ficaram longe da gente: "Vai, meu irmão, pega esse avião, você tem razão de fugir assim, desse frio, mas beija o meu Rio de Janeiro antes que o aventureiro lance mão..."
Lembro também em meus tenros anos de colégio, nos idos do Farias Brito, que uma colega me solapava os anseios juvenis, alegando que nossos encontros eram impossíveis. Seu nome se perdeu nos percalços do tempo...karine? Michele? Não, era Cristine...(como poderia esquecer o nome da mulher outrora amada? imperdoável seria) Então eu construi uma poesia, "Impossível", hoje perdida nos alfarrábios que o tempo consome. Essa poesia lembrava que antes, também se julgava impossível a conquista da lua, dos confins do espaço, sobreviver à navegação do abismo da linha do horizonte nos mares bravios e desconhecidos, o dissecar do átomo...
Mas um dia, quando restou possível o impóssível, capitulei, visto que os risíveis amores impossíveis são permeados pela incerteza da realidade.
E vi a Kathleen Turner num filme recente, bem diferente da atriz cuja arrebatadora beleza me chamou a atenção em "Tudo Por Uma Esmeralda" e "Corpos Ardentes", talvez isso tenha me despertado que daqui a duas décadas, enfim, em pouco tempo, eu também estarei circulando pelos cinquenta e poucos anos, pois é indelével a certeza de que quanto mais saborosa a experiência, mais célere é o cavalgar dos dias. E quando estiver beirando os tais Sixty-Four do clássico Beatle, eu quero estar me deliciando com tudo que não deixei de fazer, me arrependendo de muito pouco.
Let me Take You Down, coz i´m going to Strawberry Fields, nothing is real...and nothing is gonna change my world!
E la nave va...
sexta-feira, novembro 8
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