terça-feira, agosto 5


Van Gogh, La Nuit Etoilee a St. Remy

Reminiscências da Noite II - Há pouco a ser dito hoje. Assim sendo, relembro que há um ano, já destilava aqui uma nesga do meu desejo, materializado nos ensaios La Joie de Vivre (em quatro tempos) e Labirintos, os quais parecem se coadunar, apesar de tão díspares em tempo-espaço:


La joie de vivre:

Bobo romântico e réu-confesso que sou, além de um frustrado poetaço, insisto em uma idéia renitente, acerca do que move a humanidade em seus destinos e conquistas. Uma construção capenga que me permiti fazer, dando conta de que a tal "superestrutura" de Marx, antes de moldar a "infraestrutura" social do Estado, tinha como supedâneo a satisfação da libido. Capenga, haja vista que me foge absoluta competência para discorrer sobre sociologia ou mesmo aprofundar-me nos mistérios da obra Freudiana. Mesmo assim, insisto nesse devaneio Freud-Marxista a me satisfazer as dúvidas dos motivos que levam à buscarem a humanidade algum desiderato.
Por isso, vislumbro ímpar magnitude à paixão, aos deslumbres e à insensatez que permeia o amor. Amor é, por si só, pura anomia!
Ontem me lancei em algumas aventuras cinematográficas pelo frame-a-cabo.
Posto isto, apesar da minha hermética atitude de não abir concessão ao Tim Sam no que tange à Sétima Arte, ontem lembrei-me de algumas exceções feitas. Assistindo novamente ao filme "O Náufrago", de Bob Zemicks, o mesmo diretor de "Back to The Future", retive à retina uma cena que julgo de grande lirismo, onde as personagens de Tom Hanks e Helen Hunter se reencontram numa simbiose metafórica de chuva e lágrimas. Uma pintura em celulóide, onde a analogia à Nona de Ludwig é realizada num átimo. A cena é pautada pela mesma força pulsante que ameaça desaguar numa explosão colossal a qualquer momento. No filme, os deuses banham o casal com as águas-de-março que vertem dos céus e da retina despedaçada das personagens tão bem interpretadas. Em que pese o desempenho dos atores, o roteiro responde pela magia das cores e pelo amálgama de sentimentos que irrompem das imagens direito à retina e mente do espectador. Arrasadora, a cena tem seu ápice na explosão que se insurge contra o desejo e norte da libido. A vida tem dessas coisas, enfim. Totem e tabu.
Outra cena de um filme não menos hollywoodiano, no mesmo diapasão que mistura gotas de lágrima, na bela construção que detona os corações bobamente românticos como o meu, com a expressividade torrencial das chuvas, é produto de "Nascido em Quatro de Julho", de Oliver Stone.
Numa cena que julgo de bela feitura, o personagem corre em busca do seu amor-imperfeito, sua última esperança de salvação. Enfrenta não só a natureza cruel que lhe encharca o raciocínio, como também o próprio medo de ser rejeitado. A cena dita não somente reproduz o medo do personagem, mas além disso, retrata o sinal dos nossos tempos, onde nos deparamos amiúde com a luta contra nossa natureza. Quase sempre a mulher que repousa em nossos amores platônicos está a poucos passos, mas a dorida realidade nos ensina que temos que atravessar toda uma tempestade até chegarmos ao destino desejado. O final irrompe de forma emblemática porque o personagem encontra o seu destino, enfim. Sem fim...
O tempo é o senhor da razão. In casu, ele - o tempo - me furta a liberdade de continuar nesse devaneio da sétima arte.

Por fim, cito uma frase de Oscar Wilde em uma de suas famígeras cartas advindas da época de cárcere:" La joie de vivre foi-se e ela, ao lado da força de vontade, é o fundamento da arte."

C'est la vie.

La Joie de vivre II :

Há coisa mais bela do que o olhar torpente da mulher apaixonada? A cumplicidade da paixão, mesmo que por poucos segundos, o destemor do futuro...

A força de um toque, uno olhar.
Não há nada mais ímpar do que o sentir-se uno, indivisível, mesmo que acompanhado.
A arrebatadora força do olhar da pessoa amada que se distanciou, quando do reencontro, numa onda que ressurge como a fênix.
Os mesmos olhos que tanto amaram e espelharam d'alma ao fundo.Do amor infinito enquanto amor.
Daqueles olhos que me viram amando.
Há coisa mais bela? Eu me confesso...

La joie de vivre III:

Buscar-te no doce sabor da lembrança, sozinho, notívago.
Lembrar-te os momentos sinceros em que o mundo restava inerte, mero espectador.
Saber-te a pérfida roda-viva que admoesta os sentidos trôpegos.
Buscar-lhe sempre à solidão rotineira, amalgamando-te o corpo.
Sentir-te toda, partilhando-te a alma corroída dos sentidos.
Buscar-te no doce sabor da lembrança, sozinho, notívago...

La joie de vivre IV:

O teu buscar no escuro, da luz, a esperança, me corrói os sentidos.
Tua face, à luz lunar, dos olhos saltam faíscas.
A chuva insistente que debate-se ao vidro embaciado da noite.
O mar, não tão distante, mas tão distante dos corpos cansados.
Teu rosto no escuro, nada tão inesquecível, perdido nos idos do andar do tempo.
Eu venero-te, ao clarão dos lampejos e da lua, tão esquecida nesses dez anos.
Teu rosto, teu corpo, tua boca...tão perto no distante emaranhado do labirinto da minha mente...

Labirintos

Eu vejo à parede do escritório a Casa Amarela de Van Gogh.
Penso nos labirintos que inundam a nossa mente.
Nos tortuosos caminhos que me impedem o decifrar-te.
Tivesse eu coragem de te confessar o meu desejo.
Do Tímido beijo que nunca roubar-te-ei à noite.
A mesma cor amarela da Casa do Benfica.
São labirintos mundanos que direcionam à mesma arte.
Navego sôfrego nos desencontros da tua beleza.
À parede do escritório eu vejo os teus olhos.
Numa tarde atribulada eu leio os teus medos.
Apaixono-me reticente percebendo-te desnuda.
Mesmo sabendo que nasce morto o amor vesperal.
À insensatez do crepúsculo solar, vou capitulando.
Enquanto adentro na Casa Amarela de Van Gogh.

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Cada um tem a sua terapia. Há os que correm, pintam, cantam... Minha maior terapia é escrever. Posso ser o que sou, o que nu...